segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sem anéis nem dedos

Passadas mais de duas décadas de privatizações, as contas públicas continuam a ser um problema, e ainda mais grave. Aquilo que já se vendeu não se volta a vender sem gastar, de novo, dinheiro.

Não é com privatizações que vamos consertar as finanças públicas e, provavelmente, não é também por aqui que a produtividade vai aumentar; que a concorrência, amiga do crescimento, se vai reforçar; e que a economia em geral ficará mais forte. As últimas duas décadas assim o demonstram.

Quando Aníbal Cavaco Silva iniciou o processo de privatizações com uma cervejeira e um banco ninguém tinha dúvidas sobre os benefícios dessa política de liberalização e desregulamentação para a economia portuguesa.

As vendas de empresas públicas não eram, nos anos 80 como em parte da década de 90, políticas apenas focadas - ou só com impactos - na tesouraria pública. O Estado recebia dinheiro, sim, mas a economia em geral foi impulsionada para o mundo da racionalidade porque, de facto, as empresas que estavam a ser privatizadas seriam incontestavelmente melhor geridas segundo as regras do mercado.

Estávamos, na altura dessas privatizações, num jogos de ganhos em todas as frentes, que ultrapassavam largamente as receitas financeiras da venda das empresas. Foi a liberalização do sector bancário, com a privatização de bancos que a nacionalização tornou públicos, que criou as condições para a modernização do sistema financeiro português.

À medida que a política de privatizações entra no mundo das actividades em que a concorrência escasseia, os benefícios da racionalidade privada ficam dependentes de reguladores fortes e independentes, de leis simples, transparentes e que sejam aplicadas, de consumidores literados e exigentes e de autoridades políticas poderosas e incorruptíveis. Reúne Portugal todos estes atributos? Claro que não. Mesmo o mais optimista consegue identificar que não cumprimos vários requisitos que garantem o sucesso económico de privatizações de monopólios. Que garantem mais eficiência e equidade que no cenário de empresa pública.

As falhas das instituições e do Estado de Direito na economia reflectem em grande medida a ausência de uma cultura de mercado. Realmente, o País só vive em mercado desde há pouco mais de duas décadas, exactamente quando se iniciaram as privatizações. Não é por acaso que ouvimos com frequência confundir mercado com selvajaria ou anarquia.

A crise financeira com epicentro nos países anglo-saxónicos, os mais marcados pela cultura de mercado, é mais um factor a recomendar cautela nas privatizações.

Quando o mercado se impõe não se faz o que quer sem olhar a consequências, faz-se o que se pode, limitado pela acção e reacção do concorrente. É a concorrência com informação perfeita que nos conduz invisivelmente para a eficiência. É a luta pela sobrevivência que nos leva o pão à mesa. Não é a luta pela sobrevivência que nos leva a electricidade e a água a casa ou as cartas à caixa do correio.

A nova onda de privatizações nada tem de política económica. É vender o que está à mão para pagar dívidas, é atacar os dedos porque os anéis já se foram e não conseguiram melhorar as contas.

Helena Garrido

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