segunda-feira, 12 de abril de 2010

ACHO QUE DEVEMOS GASTAR A VIDA

Não existe um significado ordinário para a vida, mesmo assim, arrisco uma concepção meramente poética: a vida é uma janela aberta pelo tempo, á vontade da natureza.
Para alguns, principalmente, aqueles que não compreendem o fato da existência humana ser uma dádiva, o fôlego é escasso; e, este, logo se extingue. Outros, no entanto, preservam as instruções e conseguem viver longamente sem excessos; felizes, por assim dizer. Então, o segredo da longevidade está na dosagem correta do elixir?
Acompanhamento espiritual; um pouco de divertimento e ar fresco; amar até onde der para amar; fazer sexo seguro e não inventar certas posições acrobáticas; tomar água quase sempre; comer pouco sal; usar um Lorax para ajudar a dormir; e nada de TV ou filmes que nos façam chorar. Da forma como eu estou colocando deixa a impressão de que a receita da vida está numa bula, dessas de remédio. É! Quem sabe? Acho que devemos gastar a vida. Mas bem melhor é fazer isso a conta gotas.
Dizem que a infância é a pior das fases. Quando jovens, simplesmente, passamos pela vida, igual a um carrossel de cavalinhos, e damos voltas ao redor de nós mesmos, e de repente, tornamo-nos homens. O que criamos na infância? Castelos de areia. Ou será este o segredo: a inocência da idade?
As coisas não acontecem na infância; elas terminam na infância. Nada germina ali... Mas, os sonhos não são como sementes? No máximo há um período de transição, contudo que pode também nem existir. A infância é a fase das poucas definições. A infância é quase o vazio. Isso por que na infância tudo nos conduz a uma formação. Diz-nos quem somos. E ás vezes nem queríamos ser o que nos tornamos.
A infância só nos deixa boas lembranças; até as feridas somem, com o tempo. Os nossos pais parecem que aproveitam mais a nossa infância que nós mesmos. E isso pode ser também uma resposta. Por causa disso, acredito que somos, apenas, meio e não me atrevo a essa parte.
A velhice é a mais serena das idades. É quando já enxergamos tudo. É quando estamos nos desprendendo da vida. Na velhice, aceitamos a idéia do descanso, não como um passamento, mas como um último experimento, o que nos faltava para ser completo, sabe se lá? É um grande triunfo conseguir beirar os setenta na lucidez dos anos, quando o corpo ainda nos deu sinais de decrepitação; não reclamou de inchaços; nem apontou algum riscado que nos remetesse às doenças psíquicas, pois é irremediável a idéia do esquecimento.
O velho é sábio. E, por isso, reaprende a viver. Não conserva os hábitos e prazeres de antigamente, uma vez que não são mais importantes. A velhice é uma graça! Cada ruga que sulca a pele é uma cicatriz de verdade. E dor surge de crescimento. Altivo, o espírito; combalida, a carne. Ambos formam um composto de conhecimento com honradez.
Ser velho é patrimônio. É ser um fiel depositário dos anos. Uma testemunha do que fora o próprio homem. É ser pele escamosa, flácida, pútrida. O velho é quem sabe ser a resposta a todas as perguntas. Quando vai á sepultura descontente, porquanto teve os seus dias na construção da sua própria biografia, é um tolo; um ancião apenas que morre por que assim está escrito.
Porém, se à cova desce um corpo, exaurido, por ter valorizado os seus dias; e, que, antes de se entregar à morte, fez questão de beijá-la, como que agradecendo por seu último suspiro... ali está um homem bem-aventurado, pois sabia que não havia mais o que fazer aqui. Viver é experimentar de tudo, inclusive da morte.
O que não se admite é um obituário antecipado no supérfluo. O zelo exacerbado é a ilusão do diabo. E o diabo é o que não conseguimos alcançar. Rasgo o minuto para expor um testemunho comum: a vida passa; e que bom que passa...
A barriga está mexendo no ventre da mãe. E pulsa; e pulsa; e pulsa; e, expulsa. E o coraçãozinho acelera o ritmo; frenético; alucinante. É a ansiedade. É a dor do parto. E o parto; e o parto; e o parto; e Eu parto sem vontade de ficar. E é na dor onde guardarei todas as saudades; e que só serão apartadas na hora da hora. A janela da vida fica entreaberta e ás vezes também fecha e revela o mistério do ciclo da vida.
No tumulo, uma flor de mato e uma borboleta solitária; havia um corpo, mas nem se fez questão dele. Uma alma agora vaga na espera do lugar onde as flores nunca murcham; onde os velhos serão sempre crianças e onde o tempo será apenas o tempo.

‘Misael Nóbrega de Sousa’

Sem comentários: