sábado, 17 de abril de 2010

O mito da falta de soluções

É a frase de uma geração política: os diagnósticos estão todos feitos, faltam as soluções. É mentira. Porque os diagnósticos não estavam todos feitos. E porque soluções houve e há. E à força haverá.

O diagnóstico está dimensionado no estudo do BPI, quantificado no Orçamento do Estado e qualificado nos mercados financeiros. O País endividou-se de mais para investir num prejuízo. Já tínhamos perdido a ilusão do caldeirão no fim do arco-íris. Agora ganhámos a desilusão de não haver sequer arco-íris. Era a refracção da realidade no caleidoscópio da política. As palavras partiram-se, eis-nos em números.

O que fazer? Decidir. Não faltam soluções. Mas decidir implica assumir riscos da impopularidade doméstica; exige a libertação das distribuições partidárias; e supõe a humildade de aceitar sugestões de outrem.

É só puxar pela memória. Do Ecordep, onde há dez anos Pina Moura, Fernando Pacheco, Teodora Cardoso, Rui Carp, Orlando Carriço e Vital Moreira escreveram 50 medidas para um plano de emergência para cortar a despesa pública. Estava lá tudo, mas à ovação académica sobreveio a gaveta política. Mais tarde, o Compromisso Portugal faria propostas na justiça, na segurança social, na saúde, na economia, nas finanças. Nada: os políticos atribuíram-lhes vis intenções e a sociedade colou-lhes nas testas cinco dos sete pecados mortais: vaidade, inveja, gula, avareza e luxúria. Pelo caminho, economistas como Vítor Bento e Eduardo Catroga escreveram receitas. Ainda este mês, o Instituto Sá Carneiro publicou uma síntese de medidas concretas, uma "reprise" do trabalho feito para as eleições do ano passado que o seu próprio partido, o PSD, desconsiderou.

Só obrigados tomaremos o óleo de rícino para as finanças públicas. No passado foi o FMI, no presente são as agências de "rating", que nos acantonaram junto da Grécia, da Irlanda e de Espanha no quarto escuro das preocupações. A Grécia congela, a Irlanda baixa salários, a Espanha aumenta idades de reforma, corta despesa a sério e restringe as entradas na Função Pública em uma entrada por dez saídas. Em Portugal, o Orçamento do Estado para 2010 tem como grandes medidas o congelamento salarial na Função Pública (que não trava o aumento dos custos com o pessoal, por causa das promoções e dos acordos "bilaterais" com os professores), o regresso das entradas condicionados na administração pública de uma entrada por duas saídas (que nunca foi cumprido) e a suspensão de obras públicas. É, já se disse, pouco.

Portugal não tem apenas medo de reformar: tem medo de mostrar que reforma. Veja-se o exemplo das reformas: Portugal fez discretamente o que Espanha anuncia, o aumento da idade média de reforma. Cá, os funcionários públicos aumentaram a idade de aposentação de 60 para 65 anos; e a introdução do factor de sustentabilidade mais não veio que "nomear voluntários" para trabalhar mais anos para não perder nas pensões.

O poder das agências de notação de risco foi por elas desmerecido, mas mantém-se. De pouco vale insultá-las ou com elas reunir para promessas vãs: são agências de "rating", não são agências de "dating". Por elas, por nós, façamos o que é preciso: cortar a direito nas contas públicas para voltar a pensar na economia.

Numa citação famosa, J.D. Salinger, que morreu na semana passada, dizia que a grande diferença entre felicidade e a alegria "é que a felicidade é sólida e a alegria é líquida". A gestação política (do PS, PSD e até do CDS) da nossa economia tem sido uma alegria. Saiamos deste estado líquido. Ou acabaremos liquidados.

Pedro Santos Guerreiro

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