Há quatro anos, o administrador do Banco de Portugal Manuel Sebastião foi procurador do administrador do Banco Espírito Santo Manuel Pinho na compra de um prédio em Lisboa. Esse prédio era propriedade do Banco Espírito Santo, tendo Manuel Sebastião servido de intermediário numa compra entre o BES e um administrador do BES. Manda a boa prática que um administrador de um banco não se envolva em negócios pessoais com o próprio banco que administra. E manda a lei que o Banco de Portugal supervisione o funcionamento do Banco Espírito Santo.
Manuel Sebastião viria mais tarde a adquirir um apartamento nesse prédio, entretanto remodelado. Em Março deste ano, o ministro da Economia Manuel Pinho nomeou Manuel Sebastião presidente da Autoridade da Concorrência. A lei exige que a Autoridade da Concorrência seja um "regulador independente". A possibilidade de ela entrar em conflito com o Governo é elevada, sendo no mínimo discutível que um ministro nomeie um amigo pessoal - e seu inquilino - para desempenhar tal cargo. Certamente por achar que não havia nada para esclarecer neste caso, o Partido Socialista chumbou, na sexta-feira, a audição a Manuel Pinho e Manuel Sebastião no Parlamento, pedida pelo CDS-PP.
Estes são os factos. Confrontado com eles, o que é que o primeiro-ministro de Portugal decidiu comunicar ao País? Que não encontra no que foi publicado "nada que seja contra a lei". O que até é bem capaz de ser mentira, mas admitamos que possa ser verdade. Só que José Sócrates não ficou por aí. E acrescentou também não ter encontrado "nada que seja criticável do ponto de vista ético". Ora, isto são declarações absolutamente vergonhosas, e só mesmo por vivermos num país onde a mentira na política é aceite com uma espantosa tolerância é que um primeiro-ministro pode dizer uma barbaridade destas e sair de mansinho.
Se José Sócrates encontrasse um dos seus ministros a tentar arrombar um cofre com um berbequim diria aos jornais que ele estava só a apertar um parafuso. Afinal, também no caso da sua licenciatura o primeiro-ministro não viu nada de eticamente duvidoso nem de moralmente reprovável. Ora, o que me faz impressão não é que esta gente que manda em nós atraia a trafulhice como o pólen atrai as abelhas - isso faz parte da natureza humana e é potenciado por quem frequenta os corredores do poder. O que me faz impressão é o desplante com que se é apanhado com a boca na botija e se finge que se andava só à procura das hermesetas. É a escola Fátima Felgueiras, que mesmo condenada a três anos e meio de prisão dava pulinhos de alegria como se tivesse sido absolvida. Nesta triste terra, parece não haver limites para a falta de vergonha.
'João Miguel Tavares'
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