No meio da turbulência recorrente dos resultados dos exames, não tenho pretensões a realizar uma leitura isenta: por mais que me preocupasse em fazê-lo, dificilmente poderia evitar que o leitor a não fizesse. Mas permitam-me que tenha a pretensão de fazer uma leitura desapaixonada, olhando com olhos de ver o que desses resultados é possível extrair. Nem mais, nem menos. Deixo os processos de intenção e as leituras políticas dos resultados para quem, mais competente e mais empenhado do que eu, pretende com eles contribuir para que os exames em Portugal ganhem a credibilidade e cumpram com justiça e equidade a finalidade para que foram criados: avaliar com rigor – em conjunto com outros instrumentos – os desempenhos escolares.
O problema central destes resultados está indissociavelmente relacionado com o que o debate público tem vindo a identificar como intenção “facilitista” de combater o insucesso escolar. Evitei participar nesse debate até que dispusesse da informação indispensável a uma apreciação fundamentada. Só agora o poderei fazer.
Comecemos pelas provas do 9º ano. Se considerarmos os valores médios das classificações na prova de Língua Portuguesa registados desde 2005 é possível identificar uma melhoria que eu classificaria de insignificante.
No caso da prova de Matemática o ano de 2008 apresentou as melhores médias (2,94) e a menor percentagem de “negativas” (43%). Nos três anos anteriores as médias foram sempre inferiores a 2,5 e as percentagens de negativas sempre superiores a 60%.
Será normal ter uma proporção de classificações negativas de 71%, como se verificou na prova de Matemática em 2007? Então porque será tão anormal a média de 43% em 2008? Qual delas será mais “anormal”?
Quem observe um gráfico das freqüências dos cinco níveis de classificação na prova de Língua Portuguesa reparará que, desde 2005, as distribuições tendem a aproximar-se da normal. Ano de excepção foi 2006 com uma anormal incidência de negativas no nível 2. não me lembro de alguém ter falado em “dificultismo”.
Nos casos das provas de Matemática do Básico a observação destes três anos revela-nos uma outra “anormalidade”: perto de 50% dos alunos não vai além do nível 2 (a esmagadora maioria) e a distribuição é enviesada para as notas negativas. Mesmo no corrente ano de 2008 a percentagem de negativas é superior a 40%. Uma situação destas só é normal para o tradicional espírito de carpideira que emerge nestas épocas.
No caso das provas de exames do ensino secundário a situação já é diferente.
Reconheçamos ou não o esforço que os diferentes agentes educativos têm vindo a realizar, há um facto que tem sido esquecido ou desvalorizado. Nos anos anteriores à Reforma do Ensino Secundário os alunos tinham de realizar, pelo menos, cinco provas numa época de exames. Desde 2005 os alunos fazem 4 provas distribuídas por dois anos (11º e 12º), podendo ainda realizar “melhoria de notas”. Só com esta alteração as classificações médias teriam necessariamente de subir.
Dito isto, a surpresa está na prova mais concorrida: Português/Português B, em que as médias têm vindo a baixar nos últimos três anos. Entre 2006 e 2008 a proporção de classificações negativas duplicou, de menos de 20% quase atingiu os 40%.
Na segunda prova com maior número de alunos inscritos, Biologia e Geologia, houve uma ligeira melhoria em comparação com os anos anteriores. Porém, seria bom não esquecer que os resultados de 2007 foram claramente anômalos: mais de 50% de classificações negativas.
Na terceira e última prova que nos interessa analisar o problema é inverso: em Matemática A/Matemática os resultados têm vindo a melhorar desde 2006 e no corrente ano de 2008 podemos mesmo dizer que foram excepcionais.
Quem analisar os resultados num leque diversificado de escolas ou confronte as distribuições pelos diferentes escalões e ao longo dos últimos três anos, só pode concluir que houve uma qualquer “anomalia” nesta prova. Qualquer teste estatístico a identificará facilmente. Só é estranho que idênticas “anomalias” em provas de anos anteriores não tenham sido tão rapidamente denunciadas, especialmente as que motivaram elevadíssimas percentagens de classificações negativas e reprovações.
Concluindo, o que esta leitura rápida dos resultados permite extrair é que há um problema no modelo de concepção das provas. A variabilidade dos resultados de ano para ano e de disciplina para disciplina não confere credibilidade e estabilidade ao actual modelo de avaliação.
Durante muitos anos a opinião publica e publicada só esteve focada na responsabilidade dos alunos e dos professores e raramente pensou na qualidade e na aferição das próprias provas. Com a obsessão de encontrar erros científicos nos enunciados, esqueceu-se de encontrar deficiências pedagógicas e de falta de qualidade de aferição. Este modelo de avaliação – que assenta no que há muito designo por “exame de autor” – gera um problema de equidade e de comparabilidade que ainda não foi resolvido.
É neste contexto que a utilização dos resultados dos exames para sustentar o sucesso ou insucesso das políticas educativas só pode ter uma conseqüência identificável: a descredibilização dos exames como instrumento de avaliação.
‘David Justino’
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