domingo, 16 de novembro de 2008

UM ESTILO DE VIDA PROGRESSISTA MAS SEM FUTURO

A Crise Financeira é uma Crise do Capitalismo e do Socialismo

Com a crise do sistema financeiro, a globalização do medo real tornou-se um facto palpável. Não há civilização que não esteja implicada nas causas e consequências do furacão que teve origem na Wall Street. Esta crise financeira transforma-se numa crise económica universal que tocará com o preço das matérias-primas, com o bolso dos empregados, com a localização dos centros de produção das grandes multinacionais que privilegiarão as nações de proveniência contra as economias mais fracas. Ai dos países endividados! A recessão em curso atingirá as camadas mais fracas da sociedade ocidental e os países mais carenciados. Tudo isto é a consequência do agir de elites que, num mundo da quimera, trocaram a realidade pelo virtual.

Pouco a pouco também a cidadania se torna virtual e o povo vive em segunda mão. No passado o Homem era a medida de todas as coisas. Agora na era da nova espécie, no tempo do Homem cliente – consumista, e duma elite de Zés Pereiras, tudo vale; não há medidas, não há normas nem há regras. E o Zé Povo, condenado a acreditar, a confiar na fé de construção duma sociedade progressista baseada numa ética barata e oportuna, já não à medida do cidadão mas do proletário. A chanceler alemã, Ângela Merkel, ao afirmar que “o Estado tem de ser o protector da ordem” tocou um ponto nevrálgico da sociedade ocidental. Para se chegar porém a esse facto, pressupõe-se que o sistema partidário descubra primeiro o povo e a nação.

Os Estados estão a saque

Na Europa, os Estados, especialmente depois da queda do muro vermelho (muro da vergonha), passaram a estar cada vez mais a saque de ideologias políticas que ocuparam a ideia de democracia, instalando democracias de cariz partidário autoritário e monopolista, cada vez mais longe da realidade e do povo. Um socialismo rasteiro infiltrou-se nas mentalidades e nos quadros da sociedade ajudado pelo descrédito da velha sociedade do período fascista europeu. Na desordem e na confusão prosperam e legitimam o ilegitimável e os conservadores fracos passam a correr atrás de franco-atiradores.

Ao mesmo tempo a economia divorcia-se da cultura. O globalismo congrega então os interesses dum turbo-capitalismo desregrado e a ideia dum internacionalismo militante contra a terra e contra a cultura. Esta união de forças e de interesses acelera os problemas ecológicos. Não há forças conservadoras com coragem de defender a terra, o povo e a cultura. A política passou a andar ao sabor da ideologia e a economia acabou por depender da ideologia financeira, destruindo-se então a economia social.

O mundo financeiro desligou-se da economia produtiva e consequentemente também o mundo da política se desligou do cidadão considerando-o apenas sob a perspectiva do homo contribuinte. Na nova Europa, a escola e as universidades têm-se vindo a tornar em estaleiros para a indústria e para o comércio. Tudo tem de trabalhar a tempo pleno, correr de empreg para emprego, sem respeitar os tempos sagrados de descanso do Homem nem a sua dignidade. Tudo se sacrifica à produtividade, na banalidade dum factual alheio à realidade da natureza e do Homem.

As elites económicas e políticas tinham-se unido premiando o endividamento do povo, pretendendo criar um homúnculo consumidor e gastador em função das receitas da empresa e do Estado. O seu conceito fazia lembrar uma equipa de futebol em que só os jogadores marcadores de golos têm direito a ganhar, e para melhor em campo sem árbitro! Agora que os avançados se encontram aparentemente atolados na lama, os políticos procuram o assobio entretanto substituído pelo barulho das próprias claques.

A especulação chegou a tal ponto que, em vez de se fortalecer o poder de compra do consumidor, através dum ordenado justo, se despreza o trabalho do operário e se especula com trabalhadores mais pobres ainda doutras terras. Se antigamente as guerras se davam entre povos na defesa dos interesses das elites dos respectivos povos, hoje as guerras são realizadas entre as classes mais baixas dos diferentes povos para que as novas elites de mercenários beneficiem delas, dando-se também ao luxo de marginalizar a classe média, o verdadeiro motor das sociedades.

À semelhança dos fanáticos das montanhas do Afeganistão, também a nossa elite, por nós alimentada e legitimada, se refugia nas suas torres de marfim. Cada um olha do seu alto a realidade do mundo e do cidadão com altivez e desdém! A exploração ideológica e económica nunca andaram tão juntas e nunca foram tão descaradas como são hoje.

A Europa, nos últimos vinte e tal anos, tem destruído a sua personalidade e desmantelado o seu rosto humanista. O turbo-capitalismo e o socialismo uniram-se contra o Homem, contra a natureza e contra os biótopos culturais e humanos. Já não há sagrado, não há pátrias nem família que se não ponham à disposição. Da colonização externa passa-se à colonização interna. Com a morte de Deus morre o Homem, morre a sua interioridade, a sua ipseidade, aquilo que lhe dá dignidade! O Olimpo foi assaltado por novos deuses que nem a alma já respeita da pessoa agora socializada e reduzida a opinião de cliente.

Tudo cede às leis do mercado especulador. A nossa sociedade continua a recusar tornar-se adulta e ainda se arroga a vaidade de se comparar com outras. Prefere viver entre o medo adolescente e a exploração. De facto, nela tudo se torna cada vez mais instável: a vida social, a vida profissional, a vida familiar e a própria vida existencial. Se antigamente se pagava o medo com o Paraíso hoje paga-se com o voto e com o mercado. Viver torna-se num risco cada vez mais presente e consciente porque se opta por uma forma de vida em segunda mão. Se nas sociedades primitivas o Homem tinha medo das feras ameaçadoras hoje tem de recear os monstros que ele mesmo criou. As pessoas, com o medo, fogem à vida, tornando-se vítimas de muitas das ideias e das estratégias de fuga.

Assim, abdica-se da humanidade, no medo de perder o emprego, na insatisfação de ver o custo de vida aumentar e na insegurança duma reforma hipotecada. O Estado e a economia tornaram-se, também eles, nossos rivais. São, por vezes, mais um factor de insegurança do que de segurança. A lei da concorrência, a todos os níveis, parece ter-se emancipado da biologia já de si selectiva para se tornar na prática da concorrência pela concorrência. Cada vez se exige mais, se trabalha mais e se vê menos. Se antigamente o homem lutava primariamente contra as adversidades da lei da natureza, hoje, além desta, tem a luta contra as adversidades das forças institucionais que se apoderaram da cultura.

Também o sistema de saúde, que deveria sanar igualmente o medo dos pacientes, se torna, cada vez mais, no purgatório destes e no paraíso da indústria farmacêutica e de políticas de clientelas elitistas. A sociedade actual, em vez de tentar orientar-se para o fomento duma sociedade média mais estável, alargada e humana, nivela-se pela camada mais precária.

Se queremos a globalização, teremos antes de humanizar a economia e a relação social no respeito pelas ecologias. Agora que o homem vai atingindo uma consciência global torna-se mais premente a necessidade dum governo mundial mas que parta do Homem para o Homem, doutro modo o anonimato das superstruturas farão definhar os vestígios de humanismo ainda presentes nalgumas instituições. Apesar do vírus da rotina e do acomodamento não estará tudo perdido e o Homem encontra sempre uma saída. Há que encontrar primeiro o Homem para depois se recriarem as instituições.

António da Cunha Duarte Justo www.portugalnoticias.com

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