Há pouco mais de dez anos, quase dois terços dos eleitores decidiram "chumbar" a regionalização. Para quem gosta de elogiar a sensatez com que os portugueses costumam decidir quando são chamados a votar, o referendo terá dado em que pensar.
O "não" ao processo foi esmagador. E, depois de curadas as feridas por parte de quem teve que registar no currículo uma derrota política estrondosa, seguiram-se as promessas de aposta na descentralização. Palavras vãs. A falta de vontade e empenho na transferência de competências para os municípios, ameaça ser brandida como um bom argumento para ressuscitar o cadáver que se julgava ter sido devidamente enterrado em 1998.
À esquerda, haverá divergências nos detalhes, mas existe o consenso suficiente para retomar o tema na próxima legislatura. À direita, há mais cautela porque, se o assunto não é habitualmente classificado como "fracturante", tem grande potencial para provocar fracturas no interior do PSD e do CDS.
Os argumentos a favor da regionalização ainda estarão na memória de quem se interessou pela discussão da matéria. Era necessário aproximar as decisões dos poderes públicos dos destinatários a quem se dirigem. Era preciso introduzir maior eficiência na actuação da administração pública, através da criação de um nível intermédio, entre os poderes local e central, para tratar de assuntos que superam a dimensão de um município mas que não têm relevância para todo o país. Posto isto, o processo seria um passo decisivo para atacar as disparidades entre regiões, objectivo tão reclamado quanto fracassado. Como se vê, boas intenções e argumentos apelativos foi o que não faltou às sereias do "sim" à regionalização e que andam por aí, novamente, a agitar a cauda.
Tal como sucedeu com o referendo à interrupção voluntária da gravidez, nada impede que o tema volte a ser alvo de debate público. Mas um primeiro ponto terá que ficar claro, em nome do mais elementar respeito pelas regras do jogo político democrático. Regionalização sem referendo, seria fazer uma perigosa batota, suficiente para cavar mais uns metros no fosso já profundo que separa cidadãos e decisores políticos.
Quanto à substância da questão, as dúvidas permanecem. Nesta, como em muitas outras reformas tentadas ou anunciadas, há uma tendência em Portugal para mudar tudo em dois tipos de ocasiões: quando o que está em vigor ainda não teve tempo para mostrar se funciona, ou quando aquilo que existe está ainda em vias de ser concretizado e avança em marcha lenta por falta de vontade.
É nestes terrenos do voluntarismo e do experimentalismo inconsequente que surge a reanimação da regionalização, bandeira retirada da gaveta e desfraldada quando a descentralização prometida pelo actual Governo só saiu do adro quando se analisa o sector da educação. Em áreas como a saúde, ambiente ou solidariedade social, a transferência de meios e de competências para a órbita das autarquias locais permanece numa fase primitiva, apesar das condições políticas ímpares que a maioria socialista teve à sua disposição.
Nestas circunstâncias, ressuscitar o tema da regionalização é como tomar um potente analgésico quando a aspirina ainda não fez efeito.
"João Candido da Silva"
sábado, 29 de agosto de 2009
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