Américo Amorim diz que o futuro da estrutura accionista da Galp "é tabu". Outros poderão dizer o mesmo da Cimpor. Do BCP. Da Brisa. Até da EDP, da PT, da Zon, da Impresa. Personagens do conto dos capitalistas sem capital, como lhes chamou Fernando Ulrich.
Os analistas chamam-lhe "ângulo especulativo" e colam o rótulo à Cimpor, ao BCP, à Galp e à Brisa. Empresas que, pela vulnerabilidade accionista, podem ser alvos de ofertas de aquisição. Na Cimpor, o vaticínio já se concretizou.
Em todas encontramos minorias portuguesas em equilíbrios instáveis com rivais estrangeiros. Muitos entraram a convite. Não saem nem ao pontapé. E fazem bem.
O truque da década de Amorim foi convencer Portugal de que é dono da Galp. Não é: tem, indirectamente, menos de 14% da empresa, menos que os angolanos da Sonangol, muito menos do que têm os italianos da Eni. O equilíbrio é garantido por um acordo parassocial que atribui super-poderes à Caixa. Mas essa poção mágica é de duração limitada: já este ano termina o período de indisponibilidade de acções. Italianos podem vender se o preço for bom, angolanos podem comprar, brasileiros podem espreitar. E Amorim? Tabu.
Quando se confessou saturado dos capitalistas sem capital, Ulrich estaria a referir-se a accionistas altamente financiados por bancos muito amigos, que entraram em empresas com a delicadeza com que um cowboy pontapeia as portas gémeas de um "saloon". À saída, só tinham dívidas. Berardo, Teixeira Duarte, Manuel Fino, Joaquim Oliveira e outros que povoam as páginas deste jornal.
Muitas empresas portuguesas vivem na circunstância da falta de capital de quem lá manda. Uns, como a Cimpor ou o BCP, por estarem nas mãos dos bancos. Outros porque os "donos" têm cascatas de participações que partem de pequenos caudais. É o caso de Amorim na Galp. Ou da minoritária família Mello na Brisa. Até da família Espírito Santo no BES, onde terá menos de 20%.
Em cada uma destas empresas há accionistas estrangeiros em quem os portugueses não confiam nem para passar numa passadeira. A Lafarge na Cimpor, a Eni na Galp (e, um dia, talvez a própria Sonangol), a Abertis na Brisa, a Telefónica na PT, a Iberdrola na EDP, o Credit Agricole no BES.
Em alguns casos, as entradas foram pouco amigáveis e são um travão do concorrente-accionista à expansão da empresa portuguesa. Noutros, essas empresas foram convidadas. É o caso da Lafarge, que entrou na Cimpor a pedido da Teixeira Duarte, que hoje a apelida de "inimigo número 1". Ou da Eni, que entrou pela mão do Governo e hoje é boneco de "voodoo" na mesa de outros accionistas.
O assalto à Cimpor, o tabu da Galp, a espinha nas gargantas da EDP e da PT, a ameaça latente na Brisa ou a iminência do nada no BCP são provas suficientes: quem não tem capital e escolhe accionistas pela carteira fica refém das suas próprias opções. Querer correr com eles depois por causa do sotaque e chamar os bombeiros da Caixa não é mais que instinto primário de protecção.
Os esquemas de controlo das maiores empresas portuguesas são proteccionistas, complexos e inteligentes. Pudera. No prodigioso "O Homem que era Quinta-Feira", Chesterton conta como um espião que se faz passar por homem rico é desmascarado: defendia o capitalismo com tanta inteligência que toda a gente percebeu que ele tinha de ser pobre.
“Pedro Santos Guerreiro”
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