quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Siga o baile


Tenho notado que, para algumas pessoas que eu conheço, aquilo que era péssimo no tempo de Sócrates, agora passou a ser bom. Ou tolerável. E nem estou a falar das políticas, porque aí já não espero outra coisa. Sempre que se trate de tirar ao pobre para dar ao rico – ou, na melhor das hipóteses, de tirar ao pobre para não tirar ao rico – «socialistas» e «social-democratas» estão sempre de acordo, como se vê. A política, em Portugal, é mesmo assim: os actos não são avaliados por aquilo que são, mas por quem os pratica. Faz-me lembrar aquela piada, que fala do pai que está no baile a tomar conta da filha e, no meio da dança, ela grita: ai, paizinho, que me apalparam o rabo! E ele berra: Alto e pára o baile. Quem foi o f.d.p. que apalpou o rabo à minha filha? E diz um primo da moça: fui eu, meu tio. E volta a gritar o pai: então que siga o baile, que o moço é da família!

Das políticas, portanto, não falarei hoje. Vou antes falar dos comilões moralistas. Há dias, soube-se que a presidente da Assembleia da República atribuiu a Mota Amaral, na qualidade de ex-presidente do Parlamento, um gabinete, uma secretária, um BMW 320 e um motorista.

Denunciei isto, dizendo que não há nada como ser ex, desde que não seja ex-trabalhador, isto é: reformado. Salvo, é claro, se for reformado da administração da Caixa Geral de Depósitos, com 18 mil euros mensais, ao fim de 18 meses de grande labor, como o subtil Mira Amaral, que manda os outros apertar o cinto. E outros reformados do mesmo género.
Assim é que é. A aristocracia política deste país, seja ela cor-de-rosa ou laranja, cuida dos seus. É bonito, é comovente. Tá bem, a gente paga. Já estamos habituados, não é? Um amigo meu, que se não é da área do PSD, parece, respondeu-me que seria grave se a mordomia tivesse sido recusada a outros ex-presidentes do Parlamento, que não vê na coisa um aumento de despesismo e que não sabe se a medida foi aprovada por todos os partidos. Isto é: um homem que se dispôs, voluntariamente, a ser deputado, e que chega a presidente do Parlamento, quando acaba as suas funções precisa de carro, motorista, gabinete e secretária, para quê? Cumprida a sua missão, volta para a sua vidinha, e já vai bem aviado com a sua bela reforma e outras alcavalas. Ou não? E a coisa é boa, ou má, consoante tenha sido aprovada por um, por alguns ou por todos? Para mim, é sempre má. Mordomia, cheira-me sempre mal. E afirmar que estas mordomias não têm custos? Só se é agora, por via de algum milagre à espera de confirmação pontifícia.

Entretanto, ficámos a saber que há pessoas que são autênticos génios. Pelas suas capacidades e competências, e pela sua aptidão para dilatar o tempo. Repare-se no super-homem António Nogueira Leite, que vai ser vice-presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos e ganhar mais de 20 mil euros por mês.

Este senhor, que foi conselheiro de Pedro Passos Coelho (quem diria?), vai assumir funções executivas, ocupando o lugar de número dois do próximo presidente executivo do banco público, já é:

Administrador executivo da SEC, administrador executivo da José de Mello Saúde, administrador executivo da EFACEC Capital, administrador executivo da Comitur Imobiliária, administrador (não executivo) da Reditus, administrador (não executivo) da Brisa, administrador (não executivo) da EDP Renováveis, administrador (não executivo) da Quimigal, presidente do Conselho Geral da OPEX, membro do Conselho Nacional da CMVM, vice-presidente do Conselho Consultivo do Banif Investment Bank, membro do Conselho Consultivo da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações e vogal da Direcção do IPRI. É membro do Conselho Nacional do PSD desde 2010.
Gente desta é que o país precisa. Capaz de desempenhar tantos cargos, sendo que só um deles lhe ocupará mais de oito horas diárias. Para além disto, este senhor é um dos que vai rotineiramente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários.

Mas há mais: O ex-vice presidente do PSD José Pedro Aguiar-Branco é outro dos "campeões" dos cargos nas cotadas nacionais. O advogado é presidente da mesa da Semapa (que não divulga o salário do advogado), da Portucel e da Impresa, entre vários outros cargos. Por duas AG em 2009, Aguiar-Branco recebeu 8.080 euros, ou seja, 4.040 por reunião. E, claro, também vai frequentemente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários. E agora é Ministro da Defesa.
Mas para muita gente que eu conheço, denúncias destas só eram excelentes quando era o bando cor-de-rosa o alvejado. Para eles, o que é censurável é o Zé, que ganha o salário mínimo, meter baixa para ir desenrascar umas massas extras num biscate. Ou um reformado de quase setenta anos, ser obrigado, devido à erosão da sua reforma, a procurar trabalho. Isso, é imoral.

Quantos aos Miras, aos Nogueiras Leites e aos Aguiares-Brancos, esses, meus amigos, claro que não precisam de meter baixa.

Haja vergonha, tá?





(João Carlos Pereira)

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