1.  Todos sabem, mas são poucos os que se insurgem contra a incoerência e o  ludíbrio na política. Passos Coelho, candidato, disse da carga fiscal o  que Maomé não disse do toucinho. Como homem de palavra que se dizia,  garantiu não subir os impostos, pelo menos os que oneravam o rendimento.  Se, afirmou, em limite, a isso fosse obrigado, então, taxaria o  consumo. A primeira medida que Passos Coelho, primeiro-ministro, tomou,  foi confiscar um belo naco do rendimento do trabalho dos portugueses.  Lapidar!
 O  ministro das Finanças explicou aos ludibriados como se consumará a  pirueta. Fê-lo em conferência de imprensa original, estilo guia  turístico: à vossa esquerda (página 5 do documento de suporte), podem  ver o gráfico tal; à vossa direita (página 27 do documento de suporte)  podem contemplar o quadro X. 
 
 
  Estilo  novo, por estilo novo, poderia ter ido mais além. Poderia ter recolhido  previamente as perguntas e incluir um desenho no documento de suporte,  estúpidos que somos, para nos explicar por que razão os rendimentos do  capital foram protegidos. Dizer-me que o não fez para não desincentivar a  poupança e porque era tecnicamente impraticável, fez-me sentir gozado.  Reduzir o alvo aos cidadãos e deixar de fora as empresas de altíssimos  lucros, remete para o lixo o discurso da equidade e faz-me sentir  ludibriado.
 2.  Nunca concordei com a demagogia da redução do número de ministros e com  o disparate de constituir giga ministérios. Porque as pessoas, mesmo  que sejam ministros, têm limites. Porque a quantidade é sempre inimiga  da qualidade. Os primeiros sinais fazem-me sentir grosseiramente  ludibriado. A poupança de ministros logo resultou em destemperança de  secretários de Estado. E a incoerência entre os princípios anunciados e  as práticas seguidas não tardou a ser inscrita em Diário da República.  Com efeito, foi criada uma comissão eventual para acompanhar a execução  do programa de assistência financeira a Portugal. Tem 30 elementos,  trinta. Esta “estrutura de missão”, ESAME, de sua sigla, vai fazer  aquilo que, obviamente, seria missão do Governo, designadamente do  Ministério das Finanças. Para quem tanto falou de cortar gorduras do  Estado, sinto-me ludibriado.
 3.  Como já afirmei publicamente, o expediente da suspensão do encerramento  das 654 escolas, não é mais do que uma manobra política de duplo  efeito: imediatamente, recolhem-se louros e popularidade;  verdadeiramente, verifica-se o que está pronto e o que está atrasado,  quanto às construções em curso. E, porque é isso que está no programa do  Governo, continuar-se-á a política de criação de mega agrupamentos,  aprofundando a desertificação do interior e tornando irreversível um  deplorável crime pedagógico. No início de Julho, Nuno Crato suspendeu o  fecho de 654 escolas. Dias volvidos, confirmou que 266 das 654  encerrariam imediatamente. Não teremos de esperar muito para confirmar o  ludíbrio total.
 4.  O ministro da Educação tornou-se popular pela ênfase que emprestou a  algumas ideias sobre Educação. Uma delas consistiu em acusar o  ministério de ser dono da Educação. Matando com ferro, com ferro começou  a morrer no quadro desta pífia adaptação curricular do ensino básico, a  que procedeu de forma monolítica. O que é este ajustamento? Tão-só a  recuperação da proposta de Isabel Alçada (com excepção do fim do par  pedagógico de EVT), inviabilizada pelo PSD, que alegou falta de estudos  que a sustentasse (mais uma vez a incoerência e o ludíbrio político em  flagrante). No 1º ciclo, onde residem carências graves, tudo ficou na  mesma. No restante, o mais relevante são mais horas para Matemática e  Língua Portuguesa, como defendeu Maria de Lurdes Rodrigues em 2008. Como  reagirão os bons alunos (que também existem) a mais horas, de que não  necessitam? Nuno Crato ignora que muito Estudo Acompanhado já era  dedicado à Língua Portuguesa e à Matemática, sem que os resultados se  tornassem visíveis? Não se interrogou sobre os resultados dos  dispendiosos PAM (Plano de Acção da Matemática) e PNL (Plano Nacional de  Leitura), que significaram milhares de horas e milhões de euros  despejados sobre a Língua Portuguesa e sobre a Matemática e que não  impediram os piores resultados em exames dos últimos 14 anos? O problema  não é de quantidade mas de qualidade das aprendizagens. E para isso  confluem várias variáveis, que o taylorismo de Crato não considera. Cito  algumas. As escolas deviam ter autonomia total para encontrar soluções  para o insucesso. As horas retiradas às Áreas Curriculares não  Disciplinares deveriam ter sido postas à disposição das escolas, que as  aplicariam em função da natureza diferente dos problemas que sentem.   Claro que isto supunha directores eleitos e Inspecção Geral de Educação  organizada por áreas científicas e núcleos de escolas. A autoridade do  professor e a disciplina na sala de aula fariam mais pelos resultados do  que todos os planos ou acréscimos de horas. A burocracia esquizofrénica  que escraviza os professores já deveria ter sido implodida. Os blocos  de 90 minutos são um disparate e os tempos de 45 são insuficientes. Não  pode haver disciplinas em que o professor vê o aluno de semana a semana.  É imprudente, numa formação básica, reservar para a Matemática e para a  Língua Portuguesa o conceito de disciplinas estruturantes. Onde ficam a  Educação Física e as restantes expressões, por exemplo? É perigoso o  que se está a fazer com a História e a Geografia. Ou quer-se, desde  logo, subordinar tudo a um determinado modelo de Homem e Sociedade? 
 
 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)