A TVI cortou a primeira parte da análise de Marcelo Rebelo de Sousa ao debate Sócrates-Passos no vídeo que disponibiliza para suportar esta notícia: «Dinâmica de vitória está do lado do PSD». Na parte censurada, Marcelo diz coisas hilariantes, embora não tão hilariantes como aquelas que o vídeo truncado oferece. Uma delas consiste no seu veredicto a respeito da discussão do tema da Saúde. Passos foi às cordas, foi espancado, asseverou o Professor. Com tal dano que, à maneira do futebol, o jogo parecia resolvido. Marcelo até sabia como concluir a faena sem hipótese para o animal: bastava ter ido buscar as Novas Oportunidades e continuar a sangria até ao fim. Estranhamente, lamenta-se sem o conseguir esconder, Sócrates não foi por aí. E já não estranhamente, diz que este tema tomou 15 minutos ao debate; quando o relógio fixou 30, exactamente metade do tempo total. Assim, temos aqui duas ideias: Marcelo regista uma abissal diferença entre os dois a favor de Sócrates na primeira metade do debate, e Marcelo indica que gostaria de ter visto Passos reduzido a uma papinha.
Porém, o segmento que a TVI teve o cuidado de seleccionar cirurgicamente é ainda melhor quanto ao apreciado efeito de comicidade. No seu estilo salão de chá para tias de Cascais, que lhe deu justa popularidade na indústria da política-espectáculo, inventa sem pingo de vergonha uma tanga esquizóide onde Passos aparece a vencer o debate nos 30 minutos finais. E como? Marcelo alinha na inanidade da claque do PSD: através da repetição da expressão “700 mil desempregados” e da acusação de culpa fulanizada em Sócrates. Tão debochada é a sua criatividade analítica, apagando os episódios em que Passos continuou a ser castigado em cada um dos temas seguintes, que chega ao ponto de falar das expressões faciais de Sócrates (??) e da ultrapassagem do minuto final (!!) como provas da sua derrota. Estamos num registo que sugere mazelas neuronais decorrentes do consumo de LSD aquando do Cascais Jazz em 1971.
No final, Marcelo faz uma síntese subtextual do que estava em causa neste debate: caso Passos tivesse saído maltratado do páreo, a campanha do PSD corria o risco de acabar ali. Por isso o alívio incontido, alarve, que se viu em tantos, militantes e jornalistas arregimentados, pelo modo elevado – e nada ressentido – com que Sócrates encarou o confronto, dessa forma permitindo a sobrevivência do líder da oposição. Para Sócrates, havia questões de fundo, estratégicas, onde marcar linhas divisórias, as quais tinham especial relevância para o eleitorado à esquerda. A espuma dos dias, e até a fraquíssima qualidade política de Passos, eram tópicos menores. Aliás, se há algo a dizer das expressões de Sócrates como indicativo dos seus estados de alma, então seria uma bonomia quase afectuosa que haveria a registar.
Marcelo afirma, sem qualquer convicção e para fazer coro, que o PSD entrou numa dinâmica de vitória à conta do debate. E talvez acerte, talvez esse partido não tenha mais nada a que se agarrar e dependa da reclamação infantil e obsessiva da vitória contra o mito que criaram e alimentaram durante anos para conseguirem acreditar em si próprios. Curiosamente, e pelo meio, Marcelo deixou rasgados elogios a Sócrates, não tendo gastado nenhum dos seus usuais e escabrosos insultos. Será que entrou numa mal disfarçada dinâmica de saudade?
In: Aspirina B