“Só saber que nada sabemos é tido por atitude inteligente. E é. Mau, mesmo, é julgar saber o que, de facto, está errado. Qual é a montanha mais alta do Mundo?”
DIGO-O com toda a convicção: um livro que precisa de ser escrito é A Ignorância da Certeza. E a prova de que tenho razão é que A Ignorância da Certeza já foi escrito. Soube-o por um colecionador de desinformações. Que se dedica a colecionar informações enche-nos as estantes com enciclopédias e almanaques, mas Tom Burnam gosta é de destruir os saberes. Daí o seu Dicionary of Misinformation (Dicionário da desinformação) onde eu soube que A Ignorância da Certeza já tinha sido escrito por Ashley Montagu e Edward Darling.
Burnam disse isso no prefácio, agradecendo a Mantagu e Darling por lhe terem dado muitos dos ‘factos’ que não o são e que ele compilou no seu dicionário. Ele fez um livro que desfaz os nossos falsos saberes. De ‘a’ (ábaco) a ‘z’ (zepelim). Não, diz ele, o ábaconao é só chinez. Já os antigos gregos e romanos o utilizavam e, ainda hoje, muitos merceeiros russos o usam. Não, os zepelins não são simples dirigíveis. Qualquer aeronave mais leve que o ar e com leme é um dirigível. Mas só um zepelim (inventado pelo conde Ferdinand Von Zeppelin é um dirigível e é rígido).
A não exclusiva chinesice do ábaco e a rigidez do zepelim são informações que duvido me venham a ser úteis um dia. Já a dupla desinformação ajudou-me a ter menos dois erros. Para que o leitor também possa exclamar um emocionado ‘Obrigado. Mr. Burnam!” vou atacar alguns falsos saberes nas próximas linhas. Acredite, pode ser útil num jantar, para desfeitear o pedanteco que prende as atenções femininas: “Ah, as armaduras medievais! Aquilo era um sufoco, pesadíssimas...”
Mentira. As armaduras, quando não eram de malha metálica, eram bem articuladas e, sobretudo, leves: cerca de 25 quilos. É quanto pesa o equipamento, da mochila ao colete antibalas, de um soldado moderno. Dito isto, o leitor pode acrescentar: “Quando falo da Idade Média não me limito a ver filmes antigos de Laurence Olivier...” e se o pedantolas, isto é um supor, mas pode sempre acontecer, ripostar: “Pois fique a saber que eu do Laurence Olivier não é só filmes! Uma vez, quando estava hospedado frente à torre do Big Bem, vi-o!”, se o outro disser isso, lance a estocada final: “O amigo desculpe-me, mas o Big Bem não é torre nenhuma.” E ele (já que estamos a inventar, forcemos o destino um pouco mais): “Eu não queria dizer torre. O relógio Big Bem...” E o leitor: “Nem torre, nem relógio. O Big Bem é o sino de treze toneladas que toca as horas.” E agora que todas as senhoras já é para si que olham, diga: “Chamou-se assim pelo nome de Sir Benjamin Hall, um tipo grande que era o comissário das obras quando o sino foi instalado.”
Já na sobremesa, caso o leitor apanhe o outro a dizer uma frase conhecida, salte-lhe em cima: “O que?! Que disse?” Ele vai tentar recuperar o prestigio perdido: “Eu disse ‘sangue, suor e lagrimas’. Aliás, a frase não é minha, é de Churchill...” O leitor, seco: “Churchill nunca disse isso.” O outro, agora certo de que o esmaga: “Essa agora, disse, disse. Toda a gente o sabe.” O leitor: “O que Churchill disse, tomando posse como primeiro-ministro, em 1940, foi, e passo a citar: “Não tenho nada para oferecer senão sangue, canseiras, lagrimas e suor’. Quando citar um grande como Churchill, cite bem.”
Pronto, lá temos o leitor dono e senhor da conversa naquela mesa. Vêm os cafés e tome a iniciativa: “Então, qual é a montanha mais alta?” Verá pelo silencio geral que já ninguém ousa contrariá-lo. Incite a mais bela das damas a dar a resposta. “O Everest...”, dirá ela a medo. E o leitor, condescendente: “Não minha cara, é o Chimborazo.” E depois explique. Só se fala do Everest (8847 metros) por uma convenção: começa-se a contar do nível do amr. Por esta, o Chimborazo, nos Andes equatorianos, só tem 6267 metros, é verdade. Mas o que devia contar era a altura de toda a massa montanhosa, desde o centro da Terra. Ora a Terra não é redonda, no equador é muito amis larga. Como o Chimborazo está a dois graus do Equador e o Everest está a 28, há que acrescentar uns bons palmos ao primeiro. O Chimborazo, do centro da Terra, tem mais três quilômetros que o Everest...” “Podiam dar-me outro café?”
‘Ferreira Fernandes’
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